quarta-feira, 8 de setembro de 2010

mais Cap. 6 de Náuseas de Estudante


[...]


Flávio e a sua má notícia. Danificaram seu carro na tentativa de roubo. HD lamenta que a violência esteja sem controle. Mas sabe que lamentar nada adianta.

Poucos guardam seus ressentimentos. Daí a agressão dos que não têm: por que esse cara com esse carro e eu aqui sem?

E seguem justamente sem carro – até a oficina. Flávio tem pressa em rever o veículo, fruto de investimentos de um ano e meio.

- O pior é que te assaltam, e se você nada tem de valor, eles te enchem de pancada! Culpado você, que nada deixa pra eles!

Grupos de rapazes ocupam as esquinas meio a fuligem dos veículos. Que futuro está reservado para eles? Haverá ao menos um futuro? O que podem fazer além de esperar e trocar desconfianças e suspeitas? Numa idade de reafirmação do Eu!, de integrar enquanto homem e cidadão, toda exigência não seria encarada como humilhação?

- Você não acha que há todo um excesso? Digo, de população?

HD ouviu a pergunta com surpresa. Afinal, Flávio não sabia sobre seus estudos neomalthusianos? É verdade que não aparecera na famosa palestra, mas comentários soltos deveriam ter dado uma idéia de suas preocupações.
- E o número de igrejinhas, daquelas de porta de bar? Uma semana você passa lá e um boteco. Na outra, eis uma igrejinha, assembléia, sei lá! Isso quando não alugam o ex-sacolão com três portas. – Flávio se preocupava com este neo-protestantismo emocionalista e (como ele dizia) pelego. Aos pobres, o Reino dos Céus!

- Boteco ou igreja, eis o ópio do povo! Cachaça ou o evangelho, basta escolher. “Todo mundo tem sua cachaça.”, já dizia o Drummond, “Para louvar a Deus como para aliviar o peito

- Ei, nada de jogar a criança fora junto com a água suja! Você entendeu o que eu disse! – Flávio se incomodava, pois não abandonará a religião (e nem essa o abandonara), e com certa freqüência até, comparecia à missas e atuava em alguma obra voluntária na comunidade. Seu socialismo católico deveria estar acima de qualquer suspeita.

- Você anda muito leninista, Hector!

Desciam rumo a avenida do Contorno, quase gritando um ao outro, meio ao tropel de frenagens e buzinas. Flávio concorda com o diagnóstico marxista, mas discorda dos métodos. Revolução? Nem pensar!

- O povo está numa boa, Hector! Não vê? Preocupa-se com a derrota da Seleção Brasileira. Pior se levassem uma bala perdida em Bogotá!

- É verdade. Acreditam viver no melhor dos mundos possíveis. É um povo ‘cândido’ este! Voltaire adoraria nossos espécimes nacionais... Isto quando não defendem o sistema como se o tivessem inventado, igualzinho ao seu cunhado, o Augusto. Estes são os melhores auxiliares de seus coveiros, ajudam até a afiar a lâmina dos carrascos...

- E você não perdoa a cara, hein? Ele lucra e para ele está tudo OK!

- Mas não é assim que funciona?

A banca de jornais. Estratégica. Cidadãos deixam a pressa, numa pausa para correr os olhos sobre as manchetes. Política no escuro. Crise energética. Governistas barram CPI. Julgamento do caso Massacre no Carandiru. Aumento de juros. Queda da produção. Copa América na Colômbia. Cirurgias financeiras na Argentina. O que mais? Deu tempo de ler tudo? Eu bem que disse, com um time desses! Não passou de Honduras! E a base governista se esfarela. O coronel bem pensando que tratava-se de um campo de concentração. E não era?

- “Estão menos livres mas levam jornais /e soletram o mundo, sabendo que o perdem

- Hein? Drummond de novo?

E haja crise! Crise energética, crise da desvalorização, crise do mercado auto-regulado, crise de confiança popular no regime democrático. “Quem lê tanta notícia?”, já indagava o Caetano!

E nisso adentram a oficina. Aliás, HD não entrou, deixando-se ficar à porta, a observar o transito no que havia de comum e os transeuntes no que havia de inusitado. E estava realmente drummondiano esta manhã de segunda-feira. Mulheres passam cheias de pernas, vestidos carregam cores e desejos, o homem de bigode e o homem de óculos são a mesma pessoa. E as manchetes provam que o mundo é realmente vasto, mas que se aproxima ao toque de um celular, ao ícone da internet.

A recepcionista tem um piercing na sobrancelha esquerda, mas não importa. É um charme. Flávio prefere a morena, toda sorrisos.

- A loira, tirado o piercing, até que eu topava. – e acelera subindo a rampa. Seguem rumo ao Pio XII. Papa fascista?

Pois é. E uma das marcas do fascismo é a uniformização. Se você não se encaixar no padrão que o sistema – ou mercado – determina, você está excluído. Mas a exclusão pode ser sutil. Como? Quando você se auto-exclui. E trata-se de uma exclusão não apenas quando se é menos favorecido financeiramente. Mas esteticamente. Pois jamais andamos em tamanha liberdade (você pode pintar o cabelo de verde e exibir um piercing na língua), mas desde que você pague, consuma.

Flávio dividia a atenção entre os semáforos e as palavras de HD, sempre didático.

- Há o modelo a ser seguido e muitos o seguem por assim alcançarem o prazer que buscam e a realização de seus desejos e fantasias. Mas o mundo do consumo faz transbordar o sempre-querer, a insatisfação constante...

- Sei. O cara quer a loira e a morena ao mesmo tempo.

E é mais fácil seguir o figurino, se adaptar e obter os prazeres que a Babilônia oferece. No entanto, observe. Alguns destoam desta conformidade e adotam estéticas bizarras. As peles com pigmentos coloridos, ou envoltas em vestes sombrias. Longas cabeleiras ou moicanos de mil cores. Adornados com artesanato de origem oriental, indiana, ou indígena, ou carregados de correntes e cadeados. Em coturnos agressivos ou sandálias neo-hippies. Em suma, destoam se auto-exilam.

- Mas fogem de uma padronização e caem em outra.

- Certo. Lembre-se que os jovens, os adolescentes, são os mais intolerantes. Precisam reafirmar sempre suas identidades - as quais não percebem ser mutáveis - e desprezam, ironizam os que não se encaixam na estética da anti-estética.

- Todos contra todos? Digo, tribo contra tribo?

- Sim, assim é. Cada tribo contra todas e todas contra o que convenhamos chamar de ‘sistema’, o tal formalismo que desprezam.

- Mas o meu formalismo é sempre melhor...

E Flávio quase atravessa a Amazonas no sinal vermelho. – E eu com esse co-piloto!
- Desculpe. É que eu me empolgo.

- Eu sei.

E deixaram para conversar no escritório. Flávio já chegou pronto para ligar o computador. Precisava ler os e-mails, sua correspondência digital. Enquanto o programa inicializava, foi ajeitando a mesa. Quando a empregada se apresentou, pediu laranjada e torradas. E olhava HD, pois sabia que o amigo continuaria a palestra.

- O que eu dizia é que toda essa exibição de não-conformismo não consegue formar uma maneira de subsistência alternativa, não dependente da economia de mercado, digamos. Ou são sustentadas pelas generosas mesadas dos pais – que são do sistema – ou andam como marginais, na venda de artesanatos ou serviços supérfluos, à margem da vida alienada dos formalizados.

E Flávio conseguia o prodígio de ler suas mensagens virtuais e acompanhar o monólogo de HD, sentado junto a janela, mirando ao longe uma antena de telefone celular.

- Deixa eu ver se entendi. Você quer dizer que quando chega a idade de assumirem suas própria vidas, os, digamos, não-conformados são obrigados a se conformarem? Digo, a se enquadrarem nos padrões que desprezam e dos quais discordam?

- Sim, e com amargura. Trabalham para um sistema que condenam, e ao qual jamais vão se adaptar. Infelizes por estarem fora da caverna e com os olhos ofuscados, enquanto os demais permanecem nas trevas do cotidiano rotinizado.

- E pior, no fim, executam serviços subalternos, inferiores, o que vem a humilhar ainda mais.

- É fato. Mas não queremos com isso dizer que é melhor se enquadrar logo de uma vez, o mais cedo possível. Longe disso. Mas sim saber canalizar o desconforto social para tarefas coletivas, em prol de mudanças na estrutura. Pois é evidente que não se cria um sistema alternativo sem esforço coletivo, ainda mais na arena política que é a democracia.

- É mesmo. Não ideologias, no sentido político, mas fantasias. Comunidades no seio da natureza, ou nostalgias das brumas medievais.

- A ausência de Estado? Complicado. Mas se você ressaltar que sem o Estado regressamos ao estado de natureza, que é o que disse o Hobbes, eles acham que você é que é o fascista da vez.

- Fora aqueles que desejam somente evasão...

- Sim. Esses depressivos da vida, esses nostálgicos da vida placentária, esses inadaptados, esses ineficientes, em busca da comunhão do prazer, das drogas, do álcool, da loucura em pílulas. Esses ‘filhos enfermiços da vida’, como diria o Settembrini, do Mann...
- E daí a auto-exclusão. – Flávio apagava as mensagens inúteis. – Ninguém elimina os tais, já que se eliminam a si mesmos no mundo neodarwinista...

- Não do mais forte, mas do mais injusto. Num sistema de injustiça onde réus e vítimas se confundem, e os culpados quase nunca aparecem. Não é por ser forte que o condutor (fueher, duce) está lá em cima, mas por estar lá, apoiado por elites – que fazem girar as engrenagens – é que o líder é forte. Forte, forte, em verdade não se aplica aqui – oportunista sim. Veja o Augusto. Um forte?

Flávio volta-se com sorriso irônico. – Mas você gosta do cara, hein?

Um mal-estar? Flávio defendia Augusto, ou era apenas ironia? Augusto que não suportava a presença de HD. Inclinado diante dos monitores, Flávio se assemelhava levemente a Augusto, pelo menos em atitude. Não que ficasse proclamando contra o mundo gritando contra a surdez das paredes. Flávio sabia ser prático, enquanto Augusto sabia ser trágico. Mal conseguia segurar o casamento, que fora uma bela conveniência (para ele, claro), a se arruinar a olhos vistos.

E Flávio saberia das infidelidades do cunhado? Se sabia, era bom ator, pois não interferia. A irmã toda cabisbaixa, com toda a beleza do mundo. Mas o que é ser traída? Somente ela saberia. Toda a beleza do mundo – e traída! Mas Fabiana (a irmã) estava grávida e haviam as convenções sociais e haviam as colunas sociais.

HD assim meditava enquanto aceitava as torradas, agradecendo. A serviçal se retira discreta. Bem mais velha esta. A família está mais sensata em não empregar jovens. Em certa época Flávio era um perigo! farejando as coitadas. Mas um bom rapaz, não por ser meu amigo, mas um bom sujeito.

E se ele, o HD-zé-ninguém, fosse o eleito, sob os olhares de Fabiana? Poderia fazer a mocinha feliz? Augusto fizera promessas. Augusto que passa longe de ser um Zé-ninguém, mas que também não era um Zé-alguém! Entenda-se!

Mas ele não viera para se intrometer na vida do amigo. – Por favor, esqueça. Esqueça.

Mas Flávio mordiscava as torradas, sem mágoas.




Junho/2001

Enquanto o antiamericanismo ganha força, com atos terroristas em bases norte-americanas pelo mundo, ativistas, ecologistas, sindicalistas e outros descontentes continuam em manifestações. Barcelona, que aguardava uma reunião do
Banco Mundial, foi perturbada pelas multidões (oito mil!) em evento organizado por mais de trezentas ONGs!

A coisa além de televisiva está ficando cinematográfica!




Não precisou de qualquer despertador para abrir os olhos. Nem sequer programara o despertador. Simples, a explicação. Hoje é sábado. Nada de faculdade, nada de ônibus lotado pela manhã, naquele frio da manhã. Gracias!

Então vira-se na cama. Ele está sozinho numa cama de solteiro. Não há qualquer odor de mulher, ou perfume que evoque mulheres e ele está só, tão só como se pode estar. Aí, o que HD faz? Liga o rádio sobre o criado-mudo.

Isso: tédio – e liga o rádio.

Uma estação deixa vazar um sertanejo brega. Seu braço se estende, com a cabeça imersa no travesseiro e todo preguiça, e muda o dial, Istoé, a sintonia. Explode um rock rural, algo parecido com música caipira mas com guitarras elétricas!

Novamente o braço se estende e alcança o seletor. Sintonias se alterna. HD se vira, encara o teto. Branco ou bege claro? Muito cômodo este apê do Flávio. Em pleno Gutierrez, logo valorizado. Precisa terminar o trabalho de estatística,mas onde está a reserva de ânimo? E a segunda parte do resumo sobre a Guerra Fria. Aliás, todo um trecho sobre Governo Goulart. Mas ainda não concluiu uma introdução sobre os seis meses de Jânio Quadros. O homem da vassoura. E que bigode! E as forças ocultas...

Agora vem flutuando um pop inglês. O que é isso? Oásis ou Blur? Prefiro um Rolling Stones. Melhor, certamente, um WHO.

Sintonias se sucedem. Cânticos evangélicos, dance dos anos 80, pseudo-informações, na rádio que toca notícias, mais sertanejo brega, alguém informa o preço da cesta básica, alguém grita um rock gospel, em glória ao, e de súbito um Rap made in USA, logo um rap made in periferia paulista, e um sertanejo de raiz, com viola caipira e o que há, e mais pop inglês, será Belle and Sebastian?, mais temos MPB dos anos da Ditadura, a turma do Caetano e demais exilados, london, london, tropicalismos afim, e um pastor em entusiasmo de sermão!, certamente a expulsar enfermidades e demônios, e agora musica instrumental aleatória com destaque para os seixos em tubos de PVC, além de notas recentes de um berimbau tecno-tribalista, outro pop do fundo do baú, um YES segunda-fase, ou Emerson, Lake and Palmer decadente, depois um lance mais jazz e bossa nova, não se sabe se em dialeto carioca ou andaluzo, e um rock nacional datado, a dizer que “não posso viver sem mim”, um ultraje afinal!, além de pérolas da Jovem Guarda, os dois Carlos, obviamente, e mais pseudo-informações, barril de petróleo, uma reação da Bolsa do Rio, ainda bastidores da venda da grande estatal do minério.

Virou-se de lado e coça o saco. Boceja e outro giro no seletor. Sintonias, etc. Novo rock nacional sem letras sem música sem nada, mais informações, nível de venda de televisores, então pérolas do ritmo latino, vamos para o Caribe nas próximas férias?, numa estação, só música estrangeira, para quem tem bom gosto, e quem não tem?, mais notícias descartáveis, e forró com um diferencial: é forró gospel, e leituras do horóscopo, e seu número de sorte hoje é, e mais MPB cult, e certo cantor gringo que apareceu do nada, e mais rap engajado, agora a trilha sonora da novela das oito, um voz feminina sedutora de boate, e mais notícias, rebelião em presídio, fuga em massa e repressão das tropas de choque, alerta máximo nas forças de segurança, helicóptero faz pouso forçado em terreno baldio, mudou o um dia!, agora uma batida funk para os felizes habitantes das favelas, ops, das ‘comunidades em risco social’, o movimento dos aeroportos, Confins, Santos Dumont, Pampulha, Tom Jobim,, alguma notícia sobre as loiras peitudas a bordo?, mais rock gospel, e mais um rock nacional sem o que dizer, e mais notícias sobre as oscilações do dólar, e um pastor (outro?) a repreender os fiéis (vergonhosamente!) inadimplentes, e uma entrevista com importante dramaturgo carioca, então música nova de certa banda pop irlandesa, notícias sobre futebol e o campeonato nacional, mais numerologia e astrologia e conselhos esotéricos, uma balada romântica, um hino religioso, uma trilha sonora de filme de gangsters, uma balada da loira-pecadora-queimadora-de-cruzes, na cama com, mais sermão, mais horóscopo, mais fofocas do meio artístico, mais pop made in USA, mais um locutor a anunciar prêmios, “cole seu carro no nosso adesivo”, e modelos, camisetas, bonés, patins, bicicletas, e outras promessas, inclusive a locutora vai de brinde, que se for tão bonita quanto a voz, mamãezinha!, mais notícias, mais escândalos nos bastidores políticos, ilustre colega o senhor é um cabra-da-peste, perdoe-me o epíteto, mas vossa senhoria é um condutor-de-jegues, com seu partido de vendidos, deixe-me falar, que seus jagunços, os filhos-de-uma-bezerra, e uma vaca volta o traseiro zombeteira e o nome do álbum é “Atom Heart Mother” de uma banda inglesa, conhecidíssima, chamada Pink Floyd, a vaca não deu um berro, mas balança o rabo tal uma baqueta e assim está regendo toda uma orquestra, pois no sonho tudo é possível, e HD vai sonhando, enquanto o álbum gira e gira.



Julho/2001

“Nosso mundo não está à venda, ponham os banqueiros na cadeia!”, são os gritos dos manifestantes, com bandeiras do
Partido Comunista, nas ruas de Salzburgo, Áustria, onde quase mil ativistas, segundo a polícia, ou mais de dois mil, segundo os próprios manifestantes, ameaçam romper as barricadas. Enquanto isso, confortavelmente instalados, cerca de setecentos empresários e políticos participam das performáticas discussões sobre o futuro da economia mundial.

Operação de segurança? Efetivos recrutados? Calcula-se acima de sete mil policiais.



O que atraiu HD foi uma certa turbulência naquela tarde de sexta-feira. Sexta-feira comum.

Quando chegou à Praça Sete o tumulto já estava formado. Calçadas totalmente ocupadas por manifestantes, com brados de descontentamento, enquanto estudantes acusavam a falta de vontade política do senhor prefeito, e das autoridades incompetentes, e dos senhores secretários relapsos, enquanto os professores empunham cartazes com denúncias que não são novidade, enquanto livre-pensadores repensam o grau de anomia e aleatoridade do sistema.

O que os professores querem? O que se espera enquanto profissionais: respeito. Os gritos acompanham HD até o bandejão da faculdade de Direito. Comeu sem ânimo, mecanicamente. Lembra do almoço, acompanhado por Darío Sabine, ali mesmo, meses antes, e que bela discussão literária e humanista eles tiveram!

Lá embaixo o Parque e suas sombras convidativas. Mas precisava passar na agencia dos Correios. Afinal, prometera enviar uma carta ao amigo Alex, e era melhor cumprir a promessa logo. Mas quando saiu do prédio, já foi envolvido na balbúrdia de apitos e vozes de protesto, quando um carro de som trafegava conclamando a massa a manifestar toda a indignação represada, Que o povo é cordial, mas não é trouxa!

E seguindo o carro de som, em turbulenta procissão, mais faixas, apitos, brados, palavras de ordem, exaltações até com certa exultação, crianças de mãos dadas consigo mesmas, ou com empolgados professores e professoras, mais apitos, transeuntes seduzidos pela histeria, policiais de prontidão, sindicalistas sentindo a fervura de seus quadros, mais brados, Por incompetência do governo é que os alunos estão sem aulas!

Sem aulas? E HD não estava sm aulas? Quase um mês! Férias? E a culpa não era tão somente do senhor prefeito. Federalmente fodidas as instituições de ensino estavam sucateadas. Nada original, mas é assim mesmo: sucateadas.

E um caminhão exibia sua torre de transmissão. Uma equipe de repórteres se posicionava. Havia eletricidade no ar. Todos muito tensos, câmeras trêmulas.

Policiais, idem. Mesmo atentos. Afinal, os professores estavam acampados na portaria da Prefeitura! E veículos táticos já ocupavam posições estratégicas da Praça Sete até o Palácio das Artes.

E tudo parecia uma imensa encenação, protagonistas e antagonistas, e a massa de manobra enquanto figurantes. Criancinhas de cara pintada levantam os punhos contra o vazio, enquanto papai e mamãe gritam, imaginando-se nas vésperas da revolução, naquela manifestação já neutralizada, abortada desde o início.

Fantoches? Não seria cruel pensar assim? Afinal lutavam, se indignavam, e ai de nós! Se um dia deixarmos de sentir indignação! E chega dessa empolgação de jogo de Copa do Mundo! Empolgações histéricas de pão e circo!

Mas não existia uma certa empolgação desse tipo ali? Um vazio semelhante? Saíam às ruas fantasiados. Saberiam que sem representação política tudo aquilo não passaria de espetáculo e adrenalina?

Lutavam para ter o direito de terem deveres! Lutavam por ser melhor remunerados ao servirem ao sistema! Um sistema público em decadência! Veja por aí a quantidade de escolas e faculdades particulares!

Política: Política Estudantil. Vários convites. Comissões. D.A., DCE, vozes elevadas de estudantes. O estudante que se envolve em política logo é ‘monitorado’. Os professores ora respeitam ora desconfiam, os diretores se enchem de cautelas. Lá vem o rebelde, o subversivo! Não, não é pra mim! Preciso é terminar aquele trabalho sobre o Max Weber...

Os repórteres se dispersavam junto a multidão que já se mesclava ao tumulto da Praça Sete. (Do Acaiaca e suas carrancas até a Praça e seu pirulito começava a formar-se um isolamento!) E o carro de som manobrou antes de contornar o Obelisco e abriu em leque a multidão, no vão livre da Rio de Janeiro, arrastando os manifestantes, enquanto os repórteres filmavam tudo freneticamente, ora escalando o obelisco ora subindo nas árvores do canteiro central, enquanto as forças policiais contornavam o perímetro da Praça e impediam a entrada (e também a saída!) dos que protestavam. Ms os transeuntes e os curiosos eram envolvidos na manobra de sítio, e HD foi pego na pinça gigante!

O caminhão da imprensa já se reacomodara na calçada da Amazonas e o trânsito nem existia mais. Tropas montadas manobram na Carijós e isolam o outro lado. Os manifestantes se percebem cercados. E previam isso desde o início! As forças policiais cuidavam para que a manifestação se mantivesse pacífica, sem agressões físicas ou danos patrimoniais. Isso é o que as forças policiais diziam. Mas eram hostis e esquentavam os ânimos dos indignados cidadãos.

Só faltava a faísca. E esta brilhou quando a multidão se percebeu compacta, e os grupos periféricos tentaram furar os bloqueios. A polícia então desceu o porrete!

[...]

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LdeM

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