quarta-feira, 28 de abril de 2010

Náuseas de Estudante - Capítulo 3


Capítulo 3


Numa tarde de vento, HD saía do restaurante La Romana , esforçando-se para dobrar o jornal. Escândalos no banco Central. Vagarosas as investigações sobre a morte do calouro na USP. O sistema compulsório de “demissões voluntárias” nas metalúrgicas do ABC. Desdobramentos da moratória russa. Um veículo acaba de estacionar á sua frente. Desce Flávio Toledo.

- Caminhando contra o vento, Hector?

HD sorri, como se a observação fosse uma saudação. Flávio acena para um garçom, entrega a este um maço de notas, orientando o rapaz a depositá-las no Caixa. Volta ao carro, pinça um envelope pardo dentre outros papéis. Confere o conteúdo e fecha a porta. Aciona o alarme. Tudo metodicamente. Percebe HD e esboça curiosidade sobre as notícias do dia, etc.

Revelando ter almoçado mais cedo, Flávio segue pela calçada, ao lado de HD, que já desistiu de dobrar o jornal. Combinaram uma visita à empresa de um dos amigos do pai de Flávio, onde HD espera uma oportunidade. Flávio explica que até precisa andar, uma vez que acostumar-se a automóveis é acomodar-se com suas gordurinhas, “Engordei cinco quilos, pô!”

- E as partidas de vôlei? Ou por que não faz cooper, ou vai para um spa?

Seguem andando, ao longo do quarteirão. Em breve alcançam a Alameda e de lá o Parque, onde Flávio não dispensa um momento de relaxamento na sua vida de consultor comercial da família, isto é, do restaurante da família, aquele mesmo de onde HD saíra. Flávio sorria às propostas do amigo.

- Spa? Estou assim tão for de forma? Estou com cara de sedentário? Eu é que não tenho a vida fácil que você tem. Só lendo, estudando, nada de trabalho...

- Nada de trabalho? E o fosfato que eu gasto? – HD parecia indignado. – Então você é que trabalha! E quantos livros de Economia você leu este semestre? E quantos volumes de Sociologia? E quantas tabelas de Estatística você calculou? Vê, esse é o problema! Valorizam o Ter e não o Saber! Se eu recebesse pelo tanto que sei, estaria milionário!

- Vou desculpar a sua modéstia.

Assim é a cena. HD com o jornal do dia, na mão direita, e a jaqueta jeans dobrada sobre o ombro direito, seguindo Flávio pela Alameda, à sombra das árvores do Parque, rumo ao trânsito da Avenida.

- Sim, é preciso trabalhar. Meu pai não vai eternamente depositar a mesada! Mas o sujeito arruma um emprego, um salário (não exatamente um “bom” salário), então arruma uma mulher, logo um casório, e eis os filhos! Tudo se repete! Por isso, às vezes, eu concordo com o meu pai, quando diz que na hora de dormir basta uma tábua e um dicionário, para ser a almofada.

Aí foi Flávio quem parou, a engasgar na risada. – Há, há! Sim, mas é claro! Uma tábua e um dicionário! Para ser a almofada! Se você vivesse lá em casa não dispensaria colchão macio, lençóis limpos, cobertores quentes, almofada de penas.

- Ah, ainda bem que você sabe!

- O que você quer dizer com isso?

- Que você se acomodou. É mais barato ficar em casa.

Uma buzina cortou o diálogo. Flávio notou o sinal vermelho para os pedestres. HD amassou o jornal debaixo do braço. Toda atenção é pouca na selva de concreto e aço. Uma garota exibe orgulhosamente na mochila uma bandeira com as estrelas e as listas. Made in USA. Aparece um homenzinho verde. Atravessam.

- O que você estranha? – HD percebe o olhar de Flávio sobre a bandeira estrangeira. Flávio, o bom nacionalista. – já estamos globalizados. Olha o seu sapato, o seu celular. Você lê romances norte-americanos, adora poesia hispânica, na sua camiseta (aquela que você vestiu no fim-de-semana) havia uma frase em inglês, na sua lapiseira eu vejo ideogramas japoneses. Além disso, você planeja comprar CDs de música italiana, casacos ingleses, charutos cubanos...

O escritório é no terceiro andar, e como estão bem dispostos, sobem pelas escadas. HD atento aos detalhes, quadros nas paredes, cópias de pintores famosos, corredores amplos. Um edifício de classe e glamour. E não esquece os esclarecimentos de Flávio, sempre cordial e solícito, sobre o ambiente de trabalho, o desempenho profissional, o gerente que é amigo da família. Outro detalhe (será detalhe?) que não escapa: a presença das mulheres. Secretárias, datilógrafas, digitadoras, recepcionistas, faxineiras, administradoras, advogadas, gerentes, empresárias.

No terceiro andar, HD observa o trânsito na avenida, a mancha verde do Parque, o tracejar das pessoas em passos apressados. Ao seu lado, uma campainha. O elevador se abre. Belas mulheres. Trajes discretos, é verdade, pouco femininos. Exceto por uma, mais sedutora, com um vestido e sandálias. Gestos contidos e olhares cordiais, mas distantes. Diríamos que a média de tal amostragem é de cinco a seis mulheres em grupos de dez. as mulheres ocupam todos os espaços.

Flávio se apresenta a recepcionista, com uma troca de sorrisos, e são conduzidos por um corredor. Eis a porta da Diretoria. Fechada, austera, afastada, faltando apenas a placa “Afastem-se, subalternos”, uma secretária (ou mais do que uma secretária) atende os recém-chegados. Loira, alta, elegante e outras adjetivações. É só o que HD conseguiu pensar. O Diretor estava ocupado. Sem problemas.

Flávio compreendia. - Mas eis o meu amigo. Aqui o Curriculum. Outros documentos. Obrigado pela atenção.

Depois, novamente pelas escadas, animados e confiantes, trocam comentários sobre a loira, alta, elegante, e outros adjetivos, que desconfiam ser mais do que uma secretária. Flávio tece seus planos para a compra de um apartamento, de um carro de renome. Todo um luxo que idealiza. Tenta contagiar HD com suas ambições. Quem sabe até possa dividir o flat com o amigo Hector?

HD agradece, mas além de pensar se a secretária é mesmo só secretária, está preocupado se será mais do que apenas outro candidato.




Mas HD conseguiu o emprego. Auxiliar Administrativo no Departamento de Recursos Humanos. Dentro da Máquina. Do outro lado do Espelho. E sob as ordens diretas da Rainha de Copas, digo, do Gerente de Pessoal.

Vamos aqui cognominá-lo “Olhos-de-Lince”, tal o encontramos na perspectiva de HD, a ressaltar o seu cuidado obsessivo com detalhes. Moreno, alto, muito cordial (por dever profissional), com gracejos fora de moda, mas sedutor para as mulheres, o Olhos-de-Lince adora nutrir-se da humilhação alheia, obviamente a humilhação dos subalternos. Não dispensa, contudo, humilhar os candidatos. Não realizava as entrevistas. Disso a psicóloga cuidava. Psicóloga a ser justamente a loira, alta, elegante, etc, que não é realmente a secretária, mas Assessora. Contudo, o Gerente é quem seleciona os currículos. E ali HD a lembrar, naquele covil de lobos, que quando ele, pobre ovelha, andava de agência em agência de empregos, mofando nas filas com um currículo ns mãos.

Quando encontrava currículos sobre a sua mesa, sempre congestionado, o Gerente nem sequer folheava, apenas, mostrando-os à HD, “Olha o que eu faço com essa papelada desqualificada”, e jogava tudo no cesto do lixo.

- Ora, se eu precisar de alguém aqui, por que empregaria estes desqualificados? Vou trazer é o meu sobrinho, que é bom técnico. Ou então o meu filho, na faculdade...

E depois começava a arrumar o ambiente, onde passaria sua vidinha até às dezessete horas. Entrava na sala do escritório, paletó a tiracolo, afrouxando a gravata, deixando a maleta na cadeira. Ligava o ar-condicionado. Abria as cortinas, arrumando uns bibelôs numa estante sobre o arquivo, de onde tirava uma pasta obesa de relatórios e mais currículos, e espalhava tudo sobre a mesa, ligando o computador, conferindo as horas, embolando papéis e tirando-os na lixeira.
Depois tirava o conteúdo da maleta. Acomodava-os também sobre a mesa (como encontrava espaço?), afastava o relógio (em formato de pirâmide), o calendário, a caixa de clipes, o porta-canetas, o laptop.

Ajustava aos poucos o escritório à sua vontade, estendia cuidadosamente sua personalidade metódica ao ambiente, profanado pelas mãos da faxineira. Só depois é que se apercebia da presença de HD, ali junto a porta e, convidando-o para se sentar, passava-lhe as instruções para o dia. Era gentil e não modificava o tom de voz, apesar dos olhares de superior (ou talvez por isso). Gentil, mas profissionalmente. Não havia interesse pelo que HD pudesse pensar, pouco lhe importava. Nada indagava sobre a vida do estudante. Saudações estritamente profissionais. Aliás, “Sejamos profissionais” era o seu grande lema. Ele tolerava HD, e não o oposto. Mas HD era dotado de bom senso e não replicava. A nota tudo rapidamente e cinco minutos depois já está no Arquivo.




Conversam sobre o segundo mandato do Sociólogo da Sorbonne. Flávio, novamente em suas caminhadas, “para manter a forma, meu velho”, deixara o carro na garagem. HD comenta, exaltado, as notícias dos bastidores da Reeleição. Quem diria o nosso Sartre nessa.

- E o racha dos moderados? E o vexame dos governistas?

- Bem, sobre essa política, eu ainda preciso me informar, eu estou ainda na política teórica, na Política, de Platão...

Flávio se desculpava, lembrando das aulas do Ciclo Básico e o excesso de teoria, mas conhecia de política tanto quanto HD, se não mais. E na política mesmo. O pai era amigo (“de longa data”, ressalta) de um vereador.

Caminham rumo ao crepúsculo iminente, e Flávio resolve tirar uma grana num caixa eletrônico, logo ali na esquina. Mas a máquina está em manutenção.

- Pô, logo agora! Levantei com o pé esquerdo hoje!

- Interessante, isso!

- O quê? Que eu esteja com azar?

- Não, não. Interessante essa sua tendência a singularizar os infortúnios, do tipo “Acontece logo comigo”! Afinal, todos os que passarem por aqui, e precisarem do caixa, terão o mesmo problema.

- É mesmo! Tem razão.

- E caixas eletrônicos funcionam 24 horas e não exigem reposição salarial.

Ambos exibem sorrisos irônicos. Mas HD ainda não terminou.

- Igual à minha tia. Vivia resmungando que eu não consigo emprego, que nada dá certo pra mim, que há uma maldição na minha vida. Agora, pense, amaldiçoado, eu? Só se for eu e mais 20 por cento da população economicamente ativa! Só mesmo um exorcismo, um descarrego coletivo! Confissões coletivas iguais aquelas do Walesa do Solidariedade!

Flávio até já se esquecia de seus infortúnios, enquanto assistia o nosso HD empolgado.

- Se eu singularizar o problema (ao contrário de analisar a estrutura) eu me alieno da luta coletiva, já que muitos são atingidos e, somente com a união de todos, pode-se reivindicar uma solução, à nível estrutural. – HD estendia seus gestos a todo o quarteirão, a todo o mundo. Cada dona-de-casa que passava, cada pedestre a cuidar de seus interesses, cada profissional a vender o seu tempo, curto tempo de existência. – Se cada um imaginar que a maldição é problema apenas dele mesmo, cada um arruma um paliativo ou conforto, igreja ou mercado negro, e nunca se forma uma mobilização social.

- Ou seja, “Desempregados do mundo, uni-vos!”


continua...



LdeM

sábado, 17 de abril de 2010

Náuseas de Estudante - cap. 2 (final)

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Acostumou-se a apresentar-se “Hector Dias, à sua disposição” ou apenas “Hector. Muito prazer”, muito antes que começasse a ser chamado de “HD”, por amigos de faculdade, literatos suspeitos e gente do meio cultural. Vez ou outra, “Hobsbawn”, por gracejo de Flávio Toledo, leitor do historiador inglês.

Isso porque HD descobrira que seu extenso nome era motivo de olhares e sorrisos de mofa,por soar pomposo, a evocar personalidades literárias, em comentários semi-eruditos, de gosto duvidoso, em curiosidade quanto ao parentesco e etimologias.

- Outro parente dos Guimarães!

- “És filho de uma pisadela e de um beliscão

- Espero que ele não encontre um Aquiles.

E ele se deixava a lembrar de Hektor, “o que segura firmemente”, perseguido três vezes em volta da cidade de Ílion, ou Tróia, como comumente conhecida. Cena de “A Ilíada”, de Homero que ele lera em tradução duvidosa (antes de ler a do Haroldo de Campos, tempos depois), “Canto, ó Deusa, a ira de Aquiles...”, que vai se vingar da morte de seu amigo Pátroclo, morto por Hektor, que HD reconhecera num certo quadro (ou escultura?) do dinamarquês Bertel Thorwaldsen, “Heitor despedindo-se de Andrômaca”, onde Hektor ergue nos braços um bebê, ao lado de sua esposa Andrômaca, atendidos por uma serva prestativa, e sob o olhar de um soldado, com arco e escudo, de prontidão, à espera do oficial. Então, na famosa guerra, Hektor é morto por Aquiles (aquele só vulnerável no tendão do pé), que arrasta o corpo do troiano, atado ao seu carro de combate, ao redor das muralhas da cidade sitiada (e depois incendiada,por astúcia de Ulisses e seu cavalo de Tróia), enquanto o rei Príamo, de Tróia, roga ao guerreiro grego que dê sepultamento digno a seu filho, “Canta a bravura e a magnanimidade de Aquiles, filho de Peleu...”

Ou então pensava no maestro tupiniquim, Heitor Villa-Lobos, e deitava-se a ouvir aquelas tropicais Bachianas, e outras composições, das quais ouço entendia, pois seu forte nunca foi (nem será) a música, e pensava na Semana de Arte Moderna de 22, e um maestro entrando de chinelas com sua cabeleira revolta à la Beethoven, algo assim.

E aquela referência aos Guimarães? Certamente os escritores, a serem sempre lembrados, desde o remoto autor de “Escrava Isaura”, Bernardo Guimarães, com a bela escrava e o mocinho abolicionista, de Ouro Preto, terra de outro, parente certamente, o poeta simbolista Alphonsus de Guimaraens, “Pobre Alphonsus, pobre Alphonsus”, na verdade, e isso HD descobriu depois, Afonso Henriques da Costa Guimarães, claro, claro, até chegar ao regionalista pós-moderno místico-linguístico, João Guimarães Rosa, natural de Cordisburgo, célebre autor de “Grande Sertão:Veredas”, onde Riobaldo narra suas aventuras enquanto o diabo rodopia num redemoinho.

Quando não inventavam de comentar seu parentesco com Gonçalves Dias (pois de Bartolomeu Dias ninguém mais se lembra...), com aquela de “Meu canto de morte Guerreiros ouvi : Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; ”, a esquecerem que o poeta romântico era do Maranhão, e se parentesco havia, advinha de terras portuguesas. Aliás, as terras de um Almeida Garrett, aquele fã de Camões, como bom português que é, ou era, pois morrera em meados do século 19, celebrizado por sua obra “Viagens na Minha Terra”, parodiando alguém que viajava ao redor do próprio quarto, certamente um francês, possivelmente um antecessor de Proust, que gasta trinta páginas para descrever-se ao despertar.

- “És filho de uma pisadela e de um beliscão

- “ A ciência, se fôssemos eternos, inventaria a morte

Eram assim que surgiam as citações. Do nada. Transitando entre leituras, compartilhando versos e impressões, alguém lembrava então do Manual Antônio de Almeida, aquele na transição romantismo para realismo, ou do poeta Guilherme de Almeida, ali entre os parnasianos tardios e os modernistas, “entre os passadistas e os andradistas”, ironizava uma professora, do alto de sua cátedra, fazendo imprimir sonetos para o próprio deleite, enquanto HD se esforçava no Português Instrumental, preocupadíssimo com futuras monografias.

E de onde, esse autor de “Memórias de um Sargento de Milícias”, um carioca de escrita lusa falando de lusitanos com fala brasileira? Escrevia realismo popular anti-romântico? Ou nada mais pretendia do que um humor caricatural? Está certo que a fala popular ali está, bem antes que tivéssemos um Graciliano ou um Guimarães Rosa, mas pretende retratar ou ironizar? Ou ambos os propósitos?

E quanto ao poeta, dos interiores paulistas, com seu texto “Esta vida”, pouco se referiam, talvez por real despreparo, vergonhosa ignorância, como se Guilherme de Almeida não passasse de um vulto à sombra dos Andrades, ou os indecisos da Semana de 22, que sorriam aos “sapos tanoeiros” mas ainda não aderidos ao “pau-brasil”, tremendo antes de usar um “me dê um cigarro”, que coisa mais bárbara! Mas o poeta não se preocupa em violentar a língua, mas em amá-la e fertiliza-la, em orgasmos líricos, eis o que HD se permitia pensar, ousando odes para as pernas das futuras calouras, ninfas ansiosas nas ondas turbulentas dos vestibulares, e quem disse que sobrava tempo para folhear antologias poéticas? Nem Guilherme, nem Menotti, nem Bandeira, nem ninguém, não há tempo para a poesia.

Mas um dia haveria.

- “Não tinham sexo, nem idade, nem condição humana. Eram os retirantes. Nada mais.”

Havia lido o romance “A Bagaceira”, de José Américo de Almeida, talvez um parente, lá na distante Paraíba, com o seu nome assinalando a interface entre realismo e modernismo, com o desaguar de uma vertente nova, a saber, o Regionalismo. Onde os sertões aparecem como cenário, como já se sentia desde o Euclides da Cunha, com seu soberbo Antonio Conselheiro, “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, mas também folheara um místico “Canaã”, lírico e germanófilo, de Graça Aranha, aquele que pulara para o lado dos modernistas, Mas o que havia na Bagaceira do tal Almeida? Ora, uma faísca de ignição! Estava ali o beabá que engendraria o vocabulário de uma Rachel, em “O Quinze”, onde retirantes e paisagens se confundem, onde homens se arrastam e animais se humanizam. E o fluxo até o mar de um grande sertão, aqueles das veredas de um tal Riobaldo, atravessado por um médico sobre uma mula, a colher anotações sobre o dito e não-escrito, até descobrir que a literatura estava no desfazer-se da literatura, tal percebera um certo Paulo Honorário (o protagonista de “São Bernardo”, outro romance do Graciliano) que escreve como se fala, após dispensar os amigos com suas literatices neo-camonianas e jargões eclesiásticos, a imaginarem que vivemos ainda o século do Padre Vieira, com seus floreados e rebusques barrocos, que Deus o tenha! Mas talvez o outro Guimarães, o seu outro parente, O Rosa, tivesse mesmo uma certa intenção oculta, a mesma do Conselheiro, a de inundar o sertão, não de águas, mas de palavras, para fazer frutificar a fala na terra de vazios.

Até que alguma engraçadinha se aproximava, geralmente com um livro debaixo do braço, e vez ou outra, usando óculos.

- Isto não é um nome! É uma aula de literatura!




Outra segunda-feira, desta vez uma daquelas acizentadas, de céu desabado e pesando sobre os ombros, e encontramos HD em sua peregrinação por agências de recursos humanos, onde estão, como sempre estiveram, e sempre estarão, os conhecidos representantes da academicamente denominada “reserva de mão-de-obra”.

A procura de empregos, ou vagas para estágios, os jovens se acotovelam diante de uma dezena de folhas tamanho ofício onde estão listadas as vagas,os cargos e as exigências, tudo o que é possível ao mercado de trabalho ofertar aos que se perdem aos que se perdem em andanças vãs de agência em agência, o dia todo, na distribuição generosa e (onerosa) de currículos, cuidadosamente envelopados, ao custo de cinqüenta centavos a unidade. Imaginem o gasto mensal de um candidatos às vagas disponíveis.

E isto quando não compram uma listagem de agências da região, que aquele gentil e simpático jovem vende a porta de uma ou outra agência, após cuidadosa sondagem das localizações e vantagens de cada uma.

- Podem confiar. Fui em cada uma. Afinal, eu também estou à procura de emprego.

Mas HD, após se assegurar de sua senha, acomoda-se no corredor e abre o volume que tem em mãos, a saber, um romance alemão, escrito por Remarque, intitulado “Nada de Novo no Front”, não exatamente uma leitura otimista, para o dia e a semana que ora se inicia, mas ele não perde tempo com certos autores de auto-ajuda disfarçada em literatura de alto-nível, pelo menos no que consta vendagem e prêmios (ditos) literários.

O romance expõe o cotidiano patético de recrutas e soldados no cenário grotesco das trincheiras da Primeira Grande Guerra, onde nada encontramos daquele heroísmo tão presente em propagandas para recrutar “carne pra canhão”. E Remarque obviamente foi perseguido pela burocracia militarista prussiana, mas não é o que nos interessa agora.

- Experiência na área, rapaz? – pergunta um atendente ao jovem imediatamente ao lado de HD. Um jovem que lê um caderno do jornal do Estado, possivelmente a página de Esportes.

- Seis meses na solda, e um ano na prensa hidráulica.

- Há uma vaga para uma indústria de Contagem. Posso ver a sua carteira?

O rapaz, ao lado de HD (ali atento à leitura, mas sempre incomodado) levanta-se e passa os documentos ao atendente, que o conduz ao longo do corredor, onde desaparecem em uma das tantas portas. Um abafado som de porta a se fechar.

Mas HD está em plena trincheira entre a França e a Alemanha, e acata ordens de matar ou morrer, quando jovens recrutas são entregues ao pesadelo sob medonho ataque de infantaria e artilharia, num surreal chuva de granadas e morteiros.

Nada mais que o absurdo da guerra, ele pensa. Um exército de anseios jovens a lutarem por um palmo de chão, numa floresta escura, sem carícias ou amor de mãe, “o senhor da guerra não gosta de crianças”, diz a canção, e, aqui, todo um “exército de mão de obra” que se forma, não numa guerra que envolve armamentos, mas numa guerra social de “salve-se quem puder, quem for capaz” e dane-se os demais. Não há vagas para todos, e, no entanto, as páginas de Empregos (nos jornais) continuam lotadas. Ficamos nós aqui,mãos nos bolsos, e eles lá,os empresários, sem funcionários,ou sobrecarregando os que há trabalham.

Um “exército de mão-de-obra” que se forma, principalmente no inchaço das periferias, com todo esse excesso populacional, e lembra-se da sua palestra sobre Malthus, e no horror que seria, se tal é possível!, uma guerra em grande proporção, justamente para diminuir a população masculina desempregada, responsável por índices alarmantes de violência!, e que tal uma convocação em massa, onde os desempregados seriam os primeiros a serem convocados?

- Senha 43.

- Ei, moço, não será a sua? – diz uma senhora, agora ao seu lado.

HD confere o papelote. Um número. “43”. Levanta-se e agradece.




É fato que HD detesta embarcar em ônibus lotado, mas aquela tarde não teve opção.

Chegou na avenida Paraná quando o ônibus já acelerava. Perdera-o por meio minuto! E o lotação (o nome já diz tudo) seguia lotado. E o ponto de espera agregando multidões.

- Olha a pipoca, olha a pipoca!

Um velho manco, mal vestido em sua miséria, apregoa, exibindo um saco com pacotinhos vermelhos, com pipocas doces, manufaturadas. Chegar a essa idade, pobre e miserável pra que? Será isso um castigo? O velho ainda grita outras vezes e depois se afasta, cabisbaixo.

Meninos vendem doces e balas coloridas. Uma bela mulher ajeita o cabelo. Meio ao transito, arrastando uma carroça cheia de papelão dobrado, o vulto de um homem, moreno, suarento, olhar fixo. Um ônibus pára, ruidoso, e s pessoas se acotovelam, empurram. Acelera, mas uma senhora vem correndo. Assobios. O motorista é obrigado a esperar.

Uma estudante chega, driblando os moleques, incomodando os passantes com sua mochila, mas sem preocupar-se. Encosta-se ao mar de parada e deixa-se ficar alheia. HD finge ler os números das linhas de ônibus e observa a figura da estudante. Mas os lixeiros recolhem as sacolas os entulhos nas calçadas, isso quando não espalham sujeira na pista. Transeuntes seguem em resmungos, e outro vendedor surge.

- Oito pilhas a um real, oito pilhas a um real !

HD, já impaciente, observa as mulheres com suas sacolas de compras e as moças com pastas de plástico, a trazerem um olhar cansado. Disputam o mundo fora de seus lares, pra quê? Muitas seguem para as faculdades, após terem trabalhado o dia todo na avenida, os veículos e suas buzinas torturantes.

Um senhor grisalho, roupa modesta, bem alinhado, sapato engraxado, um sobretudo, cores equilibradas, cinza claro, cinza escurecido. O fato é que ele destoa daquela multidão, um tanto alheio, de mãos nos bolsos, ora passeando o olhar nas curvas das mulheres, ora enumerando mentalmente as janelas iluminadas dos edifícios.

Assobia uma valsinha, um tango, olha as mulheres, meio à multidão o único ser que parece ser ele mesmo. Nada de conferir se ônibus vem, ou se acotovelar meio à multidão. Aproxima-se de HD, sem notar seus olhares. Seu perfume é leve, discreto. Seu olhar traz a esperança de um prazer vindouro. Certamente pretende encontrar-se com a amante. E desliza os dedos nos cabelos (ainda fartos), alisando, alinhando. Aconchega o sobretudo ao corpo, cruza os braços. Parece apaixonado por si mesmo.

Aparece um menino à procura de latinhas de refri ou garrafas descartáveis, e para isso segue revirando o lixo ainda não recolhido. Afasta-se quando os lixeiros chegam frenéticos.

O olhar de HD volta-se para o senhor grisalho. Seu vulto meio à fumaça do cigarro. Tranqüilo, solta a fumaça com prazer, a cabeça voltada para trás. Olhos fechados, entregue a um instante de gozo.

Mas ao lado de HD outra presença. Um senhor um tanto mais idoso, com a pele tostada pelo sol, com uma certa ascendência sertaneja. O homem distribui atenção quando uma senhora e sua criança de colo aproximam-se. A mulher não é bela, e sua criança, uma menininha de uns três anos, insiste exigindo algo, talvez uma bala. Aí aparece um outro senhor, de ar cansado, com um chapéu branco, estilo country, uma certa timidez rural, justamente a oferecer balas, além de isqueiros e espelhos.

O senhor, junto a mulher com a criança, aborda o vendedor e compra um pacotinho de balas. Os olhos da menininha brilham. Ela nem sabe como agradecer. A mãe sorri, muito grata. O vendedor alega não ter troco, então o generoso vai até a mercearia da esquina a fim de trocar a nota. Retorna e paga o vendedor. Dívida saldada, os dois homens estão de prosa. Parece que ambos desceram do Vale do Jequitinhonha ou arredores. Comentam, com familiaridade, os causos da região. O senhor de chapéu louva Nossa Senhora e diz perambular por Belorizonte por uns dois anos. O outro alega estar na Capital quase a uns dez. comentam raras mudanças de prefeitos, feitos de coronéis, ameaças de secas e festivas novenas. O vendedor tira o chapéu, e m saudação e se vai na noite.

O homem não encontra um trabalho digno no campo, na produção necessária de alimentos, e vem para a cidade, sujeitar-se a uma atividade indigna. Quem então produzirá os alimentos para a Capital? Pobres seres errantes que abandonam tudo para rastejarem supérfluos num meio urbano caótico, que exclui os próprios urbanóides! Se a cidade já é estressante para quem aqui nasceu, imagine para quem chega advindo do meio rural !

Mas outras figuras já desfilam. Uma senhora evangélica (identificável por sua Bíblia) de longos cabelos enrolados, e longo vestido, olha incomodada para uma mulher em plena forma a passear atraindo os olhares masculinos. A sensual figura aconchega-se ao orelhão, mudando o foco da atenção. HD não pode deixar de admirar as curvas suaves, as coxas firmes, isso até aparecer outra, de vestido curto, ainda mais sensual, com suas pernas à mostra, sapatilhas de vermelho claro, de beleza loira, e um pouco mais esguia que aquela ao orelhão.

O homem grisalho de paletó continua a soltar suas espirais de fumo. Dois trabalhadores da construção civil aparecem – roupas gastas, bonés com mascotes de times, cada um com sua mochila, onde chocalha uma marmita, e, pedindo fogo, acendem seus cigarros com os dedos grossos, algo ressequidos.

Um convida o outro para um gole, mas o outro recusa, lembrando do turno “manhã cedinho”. Decepção do outro, o que oferece a rodada, pois possivelmente terá folga. Falam sobre a obra, “você vai vê, ele vão ter de derrubar aquela parede e fazer tudo de novo.” Uma moça de aspecto humilde, ao lado, ouve atenta a conversa. “Quem disse que estava fora de prumo? É que fizeram tudo às pressas.” A moça então sorri ao que terá folga, perguntando sobre a obra, pois o marido dela está sem emprego, e o que vai trabalhar no dia seguinte suspira, “ruim é ficar sem trabalho.” A moça concorda, ar triste, “É, pra vocês homens deve ser mesmo difícil. Ficar sem trabalhar...”, e o outro, “É muito ruim, parece até cansar mais.”

Comentam o cansaço, s poucas folgas. Mas que é pior ficar sem emprego. HD percebe, colhendo os fragmentos, que a moça é uma balconista ali daquelas lojas de departamentos, e logo chega uma colega., provavelmente seguindo para a faculdade, pois reclama do cansaço, e agora ter que “encarar uma aula chatérrima”. Os operários comentam que “o bom de estudar é ter bom trabalho, bom emprego”.

- Ah, se eu tivesse de estudado não ‘tava nessa ralando debaixo de sol, batendo massa...

A moça recém-chegada – Mas a gente estuda pega diploma e cadê o trabalho? Paga trezentos contos de faculdade e aí se não pegar três turnos nem compensa o esforço todo.

Um professor ganhando miséria - a outra moça diz – tempão estudando, noite adentro. ‘Cê veja a minha irmã, professora de Geografia, agora uns quatro anos depois de formada é que recebe o dobro do que pagava na faculdade.

Agressivamente apregoando suas mercadorias supérfluas, um vendedor interrompe o diálogo. Pilhas, espelhinhos, fitas adesivas. A mulher continua ao orelhão, a outra mastiga pipocas doces, sob o holofote dos faróis. O senhor de paletó, que HD imagina ser um poeta (por que não?), a viver naquelas muitas pensões ali por perto, indo agora encontrar-se com a amada. Homem maduro em busca de um amor calmo, ou então o abraço jovem e fogoso de uma puta. Este homem joga fora o cigarro, ao perceber que seu ônibus se aproxima, e entra tranqüilo, após esperar que todos embarquem. Ninguém a incomodá-lo, a amarrotar sua roupa alinhada. Um homem não exatamente vaidoso, mas digno.

A bela jovem com o pacote de pipocas possivelmente embarcara, e a mulher ao telefone senta-se agora ao lado dos pedreiros. Um deles, o que terá folga amanhã, ousa puxar assunto, mas ela nem atenção, e uma loira surge ao lado de HD, preocupado com a demora do coletivo, assediado por outro vendedor (outro!) oferecendo amendoim torrado em pacotinhos cônicos enfiados numa lata cheia de brasas. Ninguém lhe dá atenção. “Olha o amendoim torrado!”

Novo ônibus, outros que embarcam, outros que descem, ali só a balconista com jeito de estudante. Aproxima-se um cego, com sua varinha diante de si. Ao lado de HD, alguém indaga, “Ei, amigo, vai em qual ônibus?” O cego responde digno, “Qualquer um que siga até a Pampulha.

Surge o ônibus que serve à Universidade Federal. Ajudam o cego a subir, acomodando-o junto a roleta. HD, semelhante ao poeta grisalho, deixa-se ser o último, entre sem empurrões. Ajudaram o cego por piedades, por solidariedade ou por temor de que algo assim poderia acontecer a eles?, este pensamento ocupa sua mente enquanto o lotação (que faz jus ao nome!) segue ruidoso.

Observa o cego. Saberá toda a miséria que o rodeia? Feliz aquele que é cego num mundo de lixões? Mas e todas as estrelas e olhares que ele não pode ver? Melhor poder ver e saber quando fechar os olhos.

Muitos cochilam ao balanço do lotação. Os olhos sempre pesam, e ele, mesmo em pé, sonolento, fecha os olhos para ver melhor. Pensando.





fim do capítulo 2 da Parte 1

LdeM

sábado, 10 de abril de 2010

cap2 de Náuseas de Estudante (cont.)

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Sintonizar o radinho na freqüência AM noite adentro é como viajar no tempo. Essas chansons de amour, esses boleros , pérolas da geração disco, clássicos de Sinatra, ou dos Beatles, ao lado de Carlos Gardel, Erasmo e Roberto, Mutantes, quando não as viagens de um Pink Floyd, ou ao lado de Emerson, Lake and Palmer, nas viagens de um Yes, “Soon oh soon the light...”

Inumeráveis outros. Por que toda essa nostalgia que o invade? Ali no quarto, ouvindo o roncar do velho estudante perseguido e torturado, enquanto o olhar segue o brilho insinuante dos faróis, que passeiam no teto, atravessando foscas vidraças.

Por que toda essa nostalgia? Pois se vivera algo dos anos setenta fora dentro de um confortável útero. Um fã da jovem guarda imerso em líquido amniótico?




Minha terra tem palmeiras”, versos de Gonçalves Dias, que HD declamava para si mesmo enquanto atravessa o Viaduto Santa Teresa, observando o Parque Municipal à sua direita, antes de transpor o Sena belorizontino, que não passa de um caudaloso esgotão confinado meio ao concreto e o asfalto.

Claro, há também os pingos de luz nos edifícios de vidro, ou os contornos, as curvas sensuais da Serra do Curral, ou os arcos de concreto sobre a linha férrea, E imaginar que o Drummond ousava escalar, e a Estação Ferroviária, à esquerda, ou o galpão da Serraria, a febril construção da cidade audaciosamente planejada.

Cinderelas passeiam pela ampla avenida Chateaubriand, diante do teatro Alterosa, na maré de sorrisos de batom e gracejos de sereias, enquanto anúncios de néon se refletem nas varandas das modestas casas de traços tradicionais, Mestres-de-obra construíam suas casas ao longo dos anos vinte, sendo então abordado por criaturas sensuais com olhares de promessas, estas mocinhas de unhas esmaltadas, Por gentileza, eu gostaria de, mas as respostas pouco gentis afugentam sua audácia,E tão acima de minhas posses.

No entanto, é preciso dizer, naquele coração jovem não há lugar para mágoas, e HD desceu rumo a Contorno, aquela avenida que abraça a cidade, e se perdeu em ruas estreitas, com antigos calçamentos, com os muros cobertos de trepadeiras, e singelos muros baixos exibindo alpendres ao estilo lusitano. Casas erguidas à seis, sete décadas, feridas pelas asperidades do tempo.

Admirando a passagem do tempo (numa penumbra de túnel do tempo) nosso HD fazia sua tour pelos bairros tradicionais, onde os botecos nas esquinas são ponto de encontro para os talentos, onde os amigos de velha data, com seus semblantes grisalhos, podem trocar impressão sobre o mesmíssimo túnel do tempo.

- O senhor saberia...

Não, o senhor não sabia. O Clube da Esquina existia em cada esquina. Era inútil procurar uma esquina específica.

Passou diante de varandas tímidas, e sobrados de reforma recente, daquele casario de porta em plena calçada, com botecos vazios ou lojas de doces ou produtos da roça, quando não uma reformadora de sofás.

Grandes casas com jardins sossegados, indefesas sem muros ou grades, deslocados no mundo da violência, expondo seus corpos num tempo congelado, até saudosas dos trilhos dos bondes, serpenteando nos limites dos subúrbios. Saudosos subúrbios.

Um som ritmado e pesado de percussão alcançou-o numa esquina. Viu o casarão, amplo jardim, botões rubros além das grades com pontas em volteios de flor de lis, e suas luzes apagadas, exceto em uma janela.

No bairro, onde se respira música (seja a popular ou a agressiva), alguém ensaiava um solo de bateria. Numa marcação pesada de pausada, em som sombrio e denso. Um ritmo semelhante aos remos em ação numa galé romana, uma melodia ainda sob a mão severa a espancar a pele dos tambores.

Na placa, Rua Mármore, um reflexo de farol. Duas estudantes cruzaram seu caminho. Percebe os uniformes, mas não o símbolo do colégio. Logo, surgindo de uma esquina, dois sujeitos de roupas escuras. Um carregando um estojo com formato de violão. Os vultos seguiam a sua frente, na outra calçada. As estudantes, a sua frente. Uma porta iluminada de um bar. O olhar adentra e encontra um relógio de parede a marcar sete horas.

As garotas desceram uma rua, e HD saiu na praça. Os bares e a discoteca. A imponência pálida da matriz. O colégio militar. Outros jovens vestidos de luto, ou exibindo cabelos coloridos, transitam entre melodias díspares, enquanto um grupo, ao redor de um mulato com violão, relembram sambas populares, do outro lado da praça, um carro equipado com um som escandaloso a exclamar impropérios contra a triste existência.

Retornando, encontra os mesmos sujeitos soturnos de antes, um deles a parecer-lhe familiar. Um ar melancólico de poeta mal-do-século. E HD não pode deixar de notar que eles adentram o sinistro sobrado de onde fluía o peso da bateria, numa escala de golpes regulares. Alguém se aquecendo para um espancamento.

Viu-se na contorno e desceu rumo ao Santa Efigênia, cruzando novamente sobre o ribeirão fétido. Está na avenida Brasil, no sentido Praça da Liberdade. O tilintar dos copos numa churrascaria, um par de pernas a descer de um carro importado, ou a risada provocante de uma jovem enlaçada pelo ardente companheiro, ou a promessa cantante nos anúncios com olhares e sorrisos.

Diante de lojas de vinhos, padarias com infindas delícias, lojas de modas com suas vitrines, aromas sedutores de cafés e pizzarias. Guardas, vigias e manobristas. Policiais fardados. Arapongas em disfarces. De súbito, um mendigo enrolado sob uma marquise, ou um catador de papel e sua carroça grotesca.

- A vida em suas várias formas.

Ouve a própria voz destacar-se acima de buzinas e goles de chope. Nas portas dos hotéis, porteiros sisudos e elegantes recepcionam as madames saídas de automóveis faustosos, amparadas por gentis motoristas. Nas calçadas se entulham mesas e cadeiras, e amigos e abraços. Algum dia, com um emprego e uma carreira, eu terei amigos que me encontrem sob essas árvores e me convidem para uma cerveja? E realmente uma voz sobressai, a exigir um chope. Trabalharei para que, tendo um carro, possa dar generosas gorjetas aos manobristas?

Na praça Tiradentes há tão-somente uma estátua. O vulto do enforcado. Havia navalha na prisão? Ele é o nosso Cristo republicano? Observa a estátua e murmura, “Se você voltasse, Alferes, eles te enforcariam de novo” meio ao rumor da avenida Afonso Pena, que subia do centrão rumo a serra, registra mentalmente a solidão dos bancos, a ausência dosa amantes e seus beijos, os saudosos namorados agora amedrontados.

A vida noturna continuava do outro lado. Mais diversão, com empresários deixando seus escritórios, burocratas evadindo-se das repartições, balconistas emergindo das lojas, garotas de programa assediando os bares. Cada um na sua vidinha, e abaixo os arrivistas?

Novos pratos nos restaurantes, novos sabores nas pizzarias, novas posições nos motéis, novos escândalos nos inferninhos. Uma infante noite dadivosa, para os amantes do prazer e do desperdício, tanto par os manobristas quanto para os ricaços, tanto para os garçons como para seu clientes, tanto para as damas da noite quanto para meus parceiros. A burguesia já não foi, tempos outrora, uma arrivista?

Mais bares, restaurantes, pizzarias, motéis, inferninhos, boates, na regurgitação da vida noturna, na efervescência da Savassi, promessas de prazer e luxúria até a náusea.

O edifício ondulado de Niemeyer meio à silhueta das palmeiras da praça. Algum evento atrai curiosos passantes até o coreto. O palácio impera após outra reforma. Sentinelas atentas em suas poses de autoridade meio às estátuas gregas do jardim.

HD preferiu unir-se sedentários em seus coopers vespertinos, entre rosas vermelhas e chafarizes, entre juras de amor e bocejos de tédio.




Em suas viagens literárias sobre as Grandes Navegações, HD acabou descobrindo Fernando Pessoa. “navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘ navegar é preciso; viver não é preciso.’ ”

Obviamente já lera versos do lusitano. Isso no colégio. Mas era parte do dever escolar, não descoberta. Já folheara Camões, “As armas e os barões assinalados, Que da Ocidental praia Lusitana...”, já ler a carta do Caminha, “e neste dia, a hora de véspera, houvemos vista de terra, isto é, primeiramente d’um grande monte...”, fora os famosos Robinson Crusoé, Ilha do Tesouro e Capitão Háteras.

Em “Mensagem”, único volume de poemas de Pessoa, impresso em vida, HD encontrara, na Segunda Parte, intitulada “Mar Portuguez”, uma quadra, “V. Epitáfio de Bartolomeu Dias”, “Jaz aqui, na pequena praia extrema, O Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, O Mar é o mesmo: já ninguém o tema! Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro.”, e rodeado de outros ilustres, “VIII. Fernão de Magalhães”, “IX. Ascensão de Vasco da Gama” e “X.Mar Portuguez”, “Ó Mar Salgado...”, e foi descobrir que aquele outro “Dias” fora um navegador português, nascido não se sabe quando, e que zarpou do Tejo em 1487 e não conseguiu dobrar o cabo na extremidade sul da África, chamado, por ele, de “O Cabo das Tormentas”, ou “Tormentório”, ou ainda, “Tormentoso”. Isso em 1488, pois no ano seguinte, o famoso Vasco da Gama passa o local e, vencedor, rebatiza-o “Cabo da Boa Esperança”, o “Good Hope” atual. Sabe-se que Bartolomeu Dias, quiçá ancestral ilustre, morreu em 29 de maio de 1500, na frota de Cabral, o Pedro Álvares Cabral que mês antes, dizem, descobriu a “Terra de Santa Cruz”, o atual “Brasil”, pois no mesmo Cabo a Esperança não foi a última a morrer, e o encontramos, o ancestral Dias, no Canto V de Os Lusíadas, do grande Camões, quando trata do medonho gigante Adamastor, e o “Cabo da Volta”, no sul da África do Sul, hoje, chama-se “Diaz Point”.

Mas quando ele leu, “Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor,”, finalmente entendeu o que seria espírito de aventura. O jogar-se ao mar numa casca de noz. Difícil para ele entender, afinal era um montanhês, e o único mar que o cercava era o mar de morros.



Mas a onda que realmente arrastava o seu coração era aquela dos estudantes pelas ruas de Paris. Até porque era o assunto do momento. E Fred (dito Mutantes) não perdia a oportunidade de mencionar casos da época, o Maio de 68 que ainda não terminara.

- Mas as passeatas no Rio não eram menores. – após comentários sobre as manifestações na Espanha, Bélgica, Itália e Estados Unidos – E as forças de segurança apresentavam toda a sua delicadeza. Eu não estava lá, mas conheci duas estudantes de lá.

Juventude fremente. Sem ideologias? Só Hormônios? Intelectuais cúmplices ou vítimas?, HD pensava, rabiscando folhas e folhas. Mas Fred não concedia pausas para questões.

- Você acha que todo mundo lia Marcuse? Não, cada louco com sua loucura.muito desencontro. Ou então conjugavam existencialismo e o culto a Mão. Um casal “flower power” distribuindo panfletos para o Partidão. Coisas assim. Fora os filhinhos-de-papai, tudo reacionário-cuzão, que delatavam colegas declarados subversivos.

Mas a classe média era simpatizante. E intelectuais apoiavam os estudantes. Gente de militância é que se convertia à reação e delatava. Fora que em revoltas em líderes nem.

- Aí a Bete, a que eu comia na época, ficava falando em drogas e tal, mas era comum. Era aceitável. Igual fumar estes caretas hoje em dia, “um hollywood para o meu sucesso”, entende, cara?

Mas HD entendia, e enchia cadernos de perguntas irrespondíveis. E que miséria! Ele não estava lá! Alegria, alegria, ser surrado!



continua...

LdeM

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Náuseas de Estudante - Cap2

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Assim como aparecera, Aldo foi embora. Outras estradas aguardavam o andarilho. HD mudou de quarto, não por temer saudades do contador de causos, mas para alojar-se no quarto do primeiro andar, que era mais barato. Aquele ocupado por um senhor de idade, que todos consideravam estranho. “Dizem que é um louco.”

HD não foi formalmente apresentado a Fred Mutantes (como se auto-cognominava), mas o conheceu, alta madrugada, quando o velho o acordou, pedindo uma grana para pagar o táxi.




- Me dá um cigarro.

E HD ficava pensando no poema “Pronominais” de Oswaldo de Andrade, “Dê-me um cigarro / diz a gramática”, mas o povão diz mesmo é “Deixa disso camarada / Me dá um cigarro.” Toda vez que Fred, dito Mutantes, aparecia em solicitações de fumo. HD, aliás nem fumava.

E ficava (Fred, o dito Mutantes) narrando suas memórias, abrindo o seu “baú de ossos”.

- Cada geração com sua ditadura. Eu vivi sob a ditadura militar, meu pai sob o Estado varguista, e meu avô sob o marechal de ferro, aquele, o Floriano.

Isso altas horas. Chegava bêbado, acordava bêbado, acordava HD e ficava puxando prosa. Com aquele cheiro de colônia barata, ar de expulso da zona boêmia, saudoso de todas as putas, a compartilhar (sem que ninguém pedisse) recortes de jornal com denuncias de violência policial. Até porque já apanhara muito de polícia. Desde a época de política estudantil.

Certa noite, o velho chega bêbado – alta madrugada – e acorda o HD (e por pouco a pensão inteira) para solicitar, gentilmente, uma grana para pagar o táxi, que o aguarda ali na portaria.

HD, meio sonâmbulo, empresta uma grana, e Fred discursa fremente sobre o passado, “Pô, bicho, 68? Eu lembro! Agarrava uma mina na faculdade! Ali na fafich, entende? Sob a pancadaria da polícia!”

Mas a desgraça é que o tal Fred (dito, Mutantes), ronca o suficiente para reverberar em todo o Érebo (Infernum?) e HD é obrigado a encher os ouvidos de algodão. Às vezes,o velho se dispõe (não apenas quando ébrio) a cantarolar canções de Roberto e Erasmo, ou Secos e Molhados, “dizem que sou louco, mas louco é quem me diz...” em alta voz, para desespero do nosso amigo. No entanto, é hábito que HD logo copia (sem entender o porquê) – para o desespero dos pensionistas!

Não somente histórias deixava o velho Fred. Trazia uma ancestral mochila com aqueles amados vinis, coisa rara. Jimi Hendrix, Santana, Doors, Creedence, Led Zeppelin, Caetano e Gil, Jovem Guarda, e, claro, Os Mutantes.

- Pô, cara, eu lembro do meu avô! Se ele estivesse por aí, vivinho, teria seus cento e tanto. Eu tinha uns treze quando ele morreu. Pó, logo no alvorecer dos loucos “sixties” !

Claro que Fred (Frederico Alvim, HD descobriu depois) não era tão on the road como o jovem Aldo se mostrara. Fred provinha de família classe média, até começara a estudar Antropologia, mas nunca concluíra, devido a tantas prisões. Nem comunista, nem anarquista, dizia-se intervencionista. Entrava num bar começava a discursar (ninguém lembra exatamente de qual assunto se tratava), atraindo as forças repressivas que consideravam o ato um ultraje, uma afronta, coisa de desprezíveis subversivos. (Há quem defenda que numa dessas vezes, Fred apenas defendia, com argumentos aristotélicos, o uso da mini-saia pelas belas estudantes.)

É claro que usava algumas frases (hoje, divulgadíssimas), tipo, “o último padre será enforcado com as tripas do último capitalista.” E convivia com utopistas e milenaristas, que pregavam novos valores, convidando a juventude a sepultar o passado, rasgar os quadros, destruir os museus, jogar no lixo capitalismo e comunismo.
- Era possível ser de esquerda e ainda inimigo do comunismo?

Mas Fred não compreendia essas nuances, nunca pensara muito sobre isso, sempre mais dionisíaco do que erudito apolíneo. Política havia. Mas era coisa séria? Talvez tudo não tenha passado de uma revolta da libido, não contra a Mais-Valia. Libertação sexual sim, sem neuras (que agora as mulheres voltaram com uma neura que é de espantar, ele confessava) libertação sexual, sim, mesmo que hoje degenerada em libertinagem. “falaram em liberdade, caíram na sacanagem”

(Mulheres, e daquelas saudosistas, ele encontrara no último show da banda progressiva YES, em Belo. Um amigo tirava fotos – algumas patéticas. Mas valera a intenção, mesmo que impossível retornar aos anos setenta.)

- Pô, mas o meu avô morreu de quê? Pneumonia? Não sei. Ainda assim viveu mais do que meu pai, que morreu na época das Diretas-Já.

Mas lembrava ainda da morte do estudante Edson, no Rio de Janeiro, a repressão da linha-dura, a morte trágica de Kubitschek, o JK, a invasão da Universidade de Brasília, o congresso clandestino da UNE,o terror do AI-5.

Entre a Bossa Nova e o Tropicalismo, Fred fazia política e quase fez um filho, mas sua companheira sofrera um aborto (ele dizia, “nervoso”) quando de sua primeira prisão. Uma semana depois do citado Ato Institucional. Fred, que até o momento, nada lera de Marx ou Marcuse, pôde aprender sobre tais autores com outros estudantes presos.

Jogavam baralho, lembravam de Graciliano no Cárcere varguista, e discutiam temas subversivos, a saber, Marcuse e a denúncia da repressão dos instintos, Reich e a liberação da libido, Laing e a crítica aos padrões de normalidade, Foucault contra a manipulação da loucura com finalidades políticas, o irracionalismo de Antonin Artaud, a expansão da mente através dos psicodélicos, em Aldous Huxley, e também em Leary e Carlos Castañeda, além de trechos de Salinger, ou poemas e canções de Bob Dylan, e narrativas de viagens de Kerouac.

Não precisa dizer que HD derretia-se de inveja, “Que época memorável, que ânsia de mudança, que juventude iluminada!”, pois quando olhava ao redor somente encontrava uma multidão contemplando o próprio umbigo, esperando o encontro amoroso do fim de semana ou os jogos da Copa do Mundo.



Idéias e idéias. HD e suas idéias. O desenvolvimento infantil pessoal seguiria o desenvolvimento histórico da civilização, no caso, a Ocidental?

Sentado em sua cama, encarando um calendário com as ruínas do Coliseum, de Roma, HD anotava febrilmente. “ Tenho febre e escrevo...” Aos oito anos, ele brincava de índio, Pele Vermelha, Cara pálida, em seu Forte Apache, mas aos nove, ousava se lembrar de guerreiros bárbaros, tipo Conan, ou o mitológico Hércules., ou imaginava-se o gladiador nas arenas, e aos dez anos já brincava de espadachim, ao estilo “capa e espada”, sonhando ser o Zorro, mesmo sem ler os quadrinhos, e, muito menos, Os Três Mosqueteiros.

Ainda encarando as ruínas do Coliseum, ele anotava, sucintamente, que aos quatorze anos vivia em brincadeiras de cavalgada, carruagem, ou locomotivas (chegava a ficar imitando o apito das marias-fumaças!), mas aos doze, sem pausas reflexivas, brincava com miniaturas de automóveis, ônibus, tratores, criando verdadeiras cidades de papelão e isopor, com o requinte de túneis, viadutos, represas, postes e fios suspensos. Contudo, tempos depois, aos quinze, colecionava miniaturas de naves espaciais, um Columbia, um Challenger, um Discovery, ou naves materializadas de filmes de science-fiction, ao estilo Star Wars, Star Trek, Odisséia no Espaço.

Depois vieram os jogos eletrônicos de batalhas espaciais, com temas futurísticos, colônias lunares, impérios galácticos. Excessos de Isaac Asimov ou Arthur Clarke...

Mas uma lacuna ele identificara: por que nunca brincara de navegador, de pirata, de Jolly Roger? Com lenço na cabeça e venda negra nos olhos? Por que nunca colecionara navios, naus capitânias?

Mas o mais estranho: ele descendia, por lado materno, de imigrantes lusitanos, e nada se interessara quanto às navegações? Afinal, “navegar é preciso. Viver não é preciso.”

Anotou: Pesquisar urgentemente sobre as navegações.



Adorava fazer listas. Lia romances e listava as cidades. Potencialmente literárias. Dostoiévski apresentava São Petersburgo, Proust descrevia os salões parisienses, Maiakóvski era o guia turístico em Moscou, perambulava pela Londres de Wilde e Virginia Woolf, ou na Dublin de James Joyce. Gostava da São Paulo de Mário de Andrade e da Belo Horizonte de Pedro Nava. Conhecia Nova York guiado por Salinger ou Bellow, sonhava na Praga de Kundera, em insustentável leveza.



Certa tarde foi visitar o professor de Química. Ex-professor, diga-se. Agora cientista.

O professor um tanto surpreso com a notícia de HD. Dedicar-se às Ciências Humanas? Ele, um excelente aluno em Biológicas, Física, e igualmente Química? Não vivia ajudando aquela garota, linda, mas digamos, pouco estudiosa, como é mesmo o nome dela?

Mas o professor se esquecera que Darío vivia traficando informações sobre eventos políticos e fatos históricos, e que até haviam feito uma visita à professora de História?

O químico ofereceu um cafezinho e foi à cozinha. HD permitiu-se observar o cenário. Ali realmente um grau notável de desordem e entropia, com volumes mofados em pilhas até o teto, a escrivaninha tomada por colunas de papéis, anotações de fórmulas, um pacote de bolachas, manuscritos sobre Química Orgânica, obras clássicas de Linus Pauling, tomos enciclopédicos de Física Quântica, além de uma prateleira cheia de tubos de ensaio.

Ambos em conversa sobre o chamado progresso científico, as verbas para as pesquisas militares, a história da ciência, a utopia cientificista de Francis Bacon em “Nova Atlântida”, o sábio Newton entre a Alquimia e a Ciência, ou Galileu subindo no ombro dos gigantes, a ciência e a sociedade nos ensaios de Bertrand Russell, isso enquanto o professor vai fazendo um café.

Einstein no Brasil? Sim, sim. A visita do físico ao Brasil. Até experimentou uma cachaça.(Bebida que, aliás, o professor não dispensava, bebericando, acompanhado pelos alunos mais velhos, no boteco em frente ao colégio, ao som de bandas inglesas.)

Einstein: genialidade na pobreza? Berna, Suíça, 1905, Kramgasse, 49. Casa simples, de uma empregado de tempo integral. Um técnico de terceira classe, num escritório de patentes. Einstein, então com vinte e seis anos, embala um berço,no qual está o seu primeiro filho. Um livro aberto no colo.

Os cinco artigos, na revista Annalen Der Physik, número dezessete, de 1905, hoje artigo para colecionador, sobre Relatividade, a Relação entre Massa e Energia), o Efeito Fotoelétrico (luz formada por corpúsculos), que levou ao Nobel de Física de 1921, a Natureza do Movimento Browniano (a agitação das moléculas) e a tese de Doutorado, as Dimensões moleculares (em artigo que foi muito citado).

- Como um físico isolado da comunidade científica, e trabalhando em condições precárias, pôde produzir tanto?



continua...


LdeM