domingo, 28 de março de 2010

Náuseas de Estudante - cap. 2

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Novamente encontramos HD numa agência. É bem recebido, num ambiente agradável, tudo organizado, está bem vestido (gastou as últimas economias com roupas), é atendido por uma recepcionista muito prestativa e atraente, antes a conversar com um homem jovem, de porte elegante,possivelmente um colega ou superior, quando surge a psicóloga, mulher jovem e sorridente, a convocar, “Por favor, Hector Dias”.

Segue pelo corredor, os olhos postos na ficha de inscrição, e suas exigências de dados que nem a Gestapo devia pedir. Fora a parte inferior da ficha, QUE O CANDIDATO NÃO DEVE PREENCHER, área de anotações para o psicólogo, se o Candidato se veste bem, se tem boa aparência, se tem boa expressão verbal, se é extrovertido, se mostra sociabilidade, ou seja, dispositivos básicos para ENQUADRAR o Candidato, selecioná-lo!

Teorias da conspiração à parte, a entrevista é uma atuação. Nada de dialeto coloquial, atenção com a postura, nada de críticas. Se você olhar para os lados, consideram desatenção, e se encarar a psicóloga, consideram tentativa de intimidação, ou se ficar observando os papéis sobre a mesa, consideram sinal de indiscrição e curiosidade mórbida. Ou seja, de todo jeito, eles vão te rotular.

HD diante da psicóloga. Muito agradável, de uma beleza modesta, que deixa HD atraído. Mas sejamos profissionais. Ele sustenta o olhar, não se interessa pelo papéis na mesa,não comenta os quadros na parede (apesar de perceber uma cópia de Matisse), nem a paisagem pela janela (isso lembra letra de música), mas mergulha nos olhos verdes-oceânicos da quase morena. Tudo vai bem, HD não fuma, não masca chiclete, não anda mal vestido, não tem “nome sujo”, nem ficha na polícia, no entanto, ó céus !, não tem experiência REGISTRADA.

É verdade que ele trabalhou, por quase um ano, num balcão de papelaria, mas, ó mon dieu!, não teve a Carteira assinada.
Sua ficha será arquivada para futuros cargos – que não exigem experiência – e ele pontua sonoros Boas Tardes para todos, se despedindo dos olhos da psicóloga, dos dedos sensuais da recepcionista, ainda pensando se a psicóloga fará um X no círculo de extrovertido ou introvertido.

Isso nunca o incomodara antes! Para que servem os introvertidos? Para criarem artes? Para os extrovertidos? Doentes fazem obras para os saudáveis? É claro que introvertidos lêem, ouvem, introvertidos – mas é para os extrovertidos que eles escrevem poemas, compõem músicas!

E nisso passa outra dama, acima de suas modestas posses, uma jovem a sair de um consultório dentário.

HD se analisa (até com certa freqüência, convenhamos) se está triste (logo introvertido) por estar frustrado. Nem ousa encarar a mulher que vem em sentido contrário. Deseja-las para quê? Mas sabe que se houvesse conseguido o emprego, seria agora OUTRO sujeito. Estaria assobiando canções da moda, estaria pensando em compras futuras, estaria ali abordando aquela loira de sedutores óculos escuros.




Folheando o jornal. “Evite o Currículo desfocado”, percebe na seção de empregos. Não querendo chances, os candidatos indicam o interesse em várias áreas. Tal tática pode ser interpretada como falta de rumo, dizem os especialistas (pois sempre há um especialista! O que seria de nós sem os especialistas?)

Ora, vejam só! Quando você determina uma certa área de interesse, você é, para eles , seus selecionadores, um limitado, por pouco versátil.

E quando você indica uma possibilidade de atuar em cargos diversos,não é que você é versátil, pois você é, para eles, um “desorientado”, por aí sem rumos, à deriva.

Ora! Essa de querer agradar aos empregadores, para ser selecionado, é igual a querer agradar gregos e troianos, cruzeirenses e atleticanos!



Finalmente, HD entra num treinamento. Venda de Purificadores de Água. Consultor Comercial. Deve demonstrar os benefícios do produto às excelentíssimas donas-de-casa Lembrar-se-á sempre que encontra-se numa Empresa que valoriza seu Capital Humano (Capital? E humano?) disponibilizando toda um infra-estrutura e investindo no funcionário.

Durante os treinamentos, a chefe da equipe de vendas, impreterivelmente, há de tocar,no sofisticado CD-player, “We are the Champions”, da banda inglesa Queen (que HD até aprecia, mas em tais condições...) , julgando assim levantar o moral da (produtiva!) equipe.

- Somos vencedores !

Tudo isso para venderem purificadores de água, não morrerem de fome, e darem lucro para um firma que pouco interessa.

- Pois a água mata!

“Patético.”



HD e o uso da gravata. Ainda vendendo (ou tentando vender) os tais purificadores de água. No sábado (pois trabalha aos sábados até quinze horas) degusta um lanche no Mercado Central, e entra no lavabo, para colocar a gravata, rosa estampada, e ao sair, trafegando pelos corredores impregnados de cheiros, os mais diversos, vai notando os olhares, os mais deslocados. Como se ele estivesse com um risível nariz de palhaço!

E atravessa a névoa de almíscar, perfumes, balidos, gracejos, e cai na claridade da rua Curitiba, e assim manhã dentro até a Avenida Bias Fortes, endereço do escritório.

A Crise da água. Eis o tópico da palestra de hoje. Água poluída. Água desperdiçada. Sistema de tratamento da água. Preservação dos mananciais. Falta de chuva e a pequena vazão na hidrelétricas.

O Diretor está igualmente irônico, gracejando, e sem gravata. O que pode HD concluir? Descobre simplesmente que não se costuma usar gravata aos sábados!


HD e o uso da gravata. Parte Dois.

Pois bem, o contraponto. Dias depois, HD esquece a gravata na pensão e aparece no escritório sem seu ar sério.

Alguns notam o deslize do colega. Mas nada dizem. Esperam a desaprovação verbal da Chefe.
O que, de fato, ocorre.

Ele não fora dardejado antes por permanecer em sua sala, ocupado com o telemarketing, mas quando chegou à sala de reuniões, sob os acordes de “Nós Somos os Campões”, a chefe desceu nele o olhar e não perdoou.

- Onde o senhor pensa que está? Num clube? Numa festinha de amigos? Esse lugar é um lugar sério, de trabalho sério. E eu quero seriedade!

Silêncio. HD balbucia desculpas. Mas apenas se patenteia sua submissão final. A generala mantém o olhar faiscante.

HD deixa o escritório, cabisbaixo. Sem despedidas. E jamais volta.



Deitado na praça. Olhando o céu ao crepúsculo. Aí sente uma latinha de cerveja cair sobre o peito. O que é isso? Depois umas pedrinhas e outra latinha, agora de refrigerante. Senta-se no banco,olha ao redor. À distância de um poste,uns moleques, e até uma garotinha, correm aos risos. “Ele acordou! Corre, Rita!” estão se divertindo com o pobre desconhecido.

- Ainda bem que eu não estava em Brasília, senão, jogavam era um balde de álcool e um fósforo!

Aldo contava a sua história, e HD quedava-se todo penseroso em como tememos a exclusão, a ponto de humilharmos e odiarmos os que nos parecem mendigos.

- Já parou pra pensar que mendigo não é gente?

- É, meu bom. Talvez sejam anjos. Disfarçados.


continua...

LdeM

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